Reflexões sobre a lei de improbidade administrativa

Ser responsabilizado por improbidade administrativa é um dos maiores receios de um agente público. E com razão. As consequências jurídicas previstas pela Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) rivalizam com as penais, ou, ao menos, são o mais próximo que se tem de uma condenação criminal sem que se responda a uma ação penal.

Mas quais são as características de um ato considerado ímprobo? Quem pode praticá-lo? Quais ações a lei considera como passíveis de punição a título de improbidade administrativa?

A fim de responder aos questionamentos mais comuns de funcionários e demais agentes públicos escrevi este breve artigo para orientar, explicar ou esclarecer sobre esse instituto que, não raras vezes, é a razão da insônia de muitas pessoas.

O Que é Improbidade Administrativa?

A Lei de Improbidade Administrativa, infelizmente, comete o erro de não definir explicitamente o que é um ato de improbidade, mas tão somente elenca atos que serão considerados como ímprobos para efeito da lei. A grande dificuldade que isso acarreta para a interpretação e aplicação da lei é que, por vezes, torna muito vago o que se enquadraria na lei ou não.

Por certo, alguns atos são indubitavelmente ímprobos, como corrupção, favorecimento pessoal ou outros crimes. No entanto, pela falta de definição legal do que seria uma conduta ímproba, corre-se o risco de que qualquer irregularidade administrativa que possa ser enquadrada nas hipóteses previstas nos artigos 9º, 10º, 10-A e 11º da Lei nº 8.429/1992 seja classificada como passível de punição na forma da lei de improbidade.

Não obstante essa lacuna, a Lei 8.429/1992 divide os atos de improbidade administrativa em quatro categorias:

  1. Atos de Improbidade que Importam Enriquecimento Ilícito – art. 9º;
  2. Atos de Improbidade que Causem Prejuízo ao Erário – art. 10º;
  3. Atos de Improbidade Decorrentes de Concessão ou Aplicação de Benefício Financeiro ou Tributário – art. 10-A;
  4. Atos de Improbidade que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública – art. 11.

Cada um dos artigos acima citados traz incisos que tentam delimitar sua incidência, bem como exemplificar os atos que seriam considerados de improbidade administrativa. Contudo, ainda assim torna incerta a classificação de um ato como ímprobo para fins da Lei nº 8.429/1992, pois não se pode confundir a mera irregularidade administrativa com a improbidade administrativa. 

À título de exemplo, o artigo 10º diz constituir ato de improbidade administrativa aquele ato que causar lesão ao erário, seja por ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres. Pela simples leitura já se percebe a grande insegurança que a redação excessivamente ampla pode gerar no agente público: será que qualquer erro que ele cometa que cause de alguma forma prejuízo ao erário, será passivo de punição pela Lei de Improbidade Administrativa? 

Para ilustrar o que foi dito no parágrafo anterior, propomos a seguinte situação: Imagine que um funcionário público esteja transportando computadores entre prédios da administração pública e que, durante o trajeto, derrube acidentalmente três monitores, ocasionando prejuízo à Administração, tendo em vista se tratar de patrimônio público. Em tese, mesmo que não tenha agido de forma dolosa, pela redação da Lei de Improbidade Administrativa, o funcionário, pelo dano causado, estaria sujeito a responder por uma ação de improbidade. 

Atente que o resultado da ação judicial até pode ser favorável ao funcionário que causou o dano ao patrimônio público. Contudo, a análise da conduta, se dolosa ou culposa, por ser uma questão de mérito, somente seria analisada no momento da sentença, sujeitando o agente público ao estresse de enfrentar todo o percurso de uma ação civil pública de improbidade administrativa.

A insegurança ocasionada pela lei reside no fato de que os seus dispositivos focam, primordialmente, nas consequências do ato para a instauração do processo de responsabilização judicial, sem tratar de indícios mínimos de culpa grave ou dolo para o ajuizamento da ação.

Não obstante, não se pode perder de vista que a improbidade administrativa deriva de uma conduta desabonadora, imoral e antijurídica, não bastando que as consequências do ato se amoldem a uma das hipóteses dos artigos 9º, 10º, 10-a e 11º, mas sim, exigindo comportamento altamente reprovável do agente público.

Quem Pode Responder Por Improbidade Administrativa?

A Lei nº 8.429/1992 é aplicável aos órgãos e entidades integrantes da Administração direta e indireta de qualquer dos Poderes dos entes federativos, sendo, portanto, uma lei de caráter nacional. A mencionada legislação estabelece punições para os agentes públicos que incidirem em atos de improbidade. Para tanto, a lei, em seu artigo 2º, estabelece a definição de agente público:

– Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Como se pode notar, a definição legal de agente público para fins de incidência da Lei de Improbidade é bem ampla, possibilitando afirmar que não apenas os detentores de cargos públicos, sejam eles efetivos ou em comissão, e empregados públicos, mas também os agentes políticos, são abarcados por ela.

No entanto, o artigo 3º da Lei prevê a possibilidade de punição do particular, desde que preenchidas algumas condições:

– Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Dessa forma, é perfeitamente possível que um particular responda por ato de improbidade, desde que o pratique em conjunto com um agente público. 

Contudo, apesar de estar sujeito a sanções cíveis e criminais, se o particular causar prejuízo ao patrimônio público isoladamente não será penalizado pela Lei de Improbidade. Importante observar que não é necessário que o particular obtenha vantagem pessoal para se sujeitar à Lei de Improbidade, basta tão somente que induza ou concorra para a prática do ato ímprobo. 

Quais as Sanções Por Improbidade Administrativa?

O artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988, traz os tipos de punições cabíveis para os atos de improbidade administrativa:

– §4º-Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Observando o mandamento constitucional, a Lei nº 8.429/1992 trouxe as sanções mencionadas (suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário), além de outras consequências.

As penas na Lei de Improbidade encontram-se previstas no artigo 12 e são divididas de acordo com o tipo de infração: atos que importam enriquecimento ilícito; atos que causam prejuízo ao erário; atos que decorrem da concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário; e, por fim, atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.

  1. Atos que Importem Enriquecimento Ilícito:

– perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;

– ressarcimento integral do dano, se houver;

– perda da função pública;

– suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos;

– pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;

– proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos.

  1. Atos que Causem Prejuízo ao Erário:

– ressarcimento integral do dano;

– perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância;

– perda da função pública;

– suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos;

– pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano;

– proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

  1. Atos que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública:

– ressarcimento integral do dano, se houver;

– perda da função pública;

– suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos;

– pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;

– proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos.

  1. Atos de Improbidade Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário:

– perda da função pública;

– suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos;

– pagamento de multa civil de até 3 vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.

Não se pode deixar de notar a gravidade das punições por improbidade administrativa, muitas vezes se assemelhando a sanções penais, evidenciando a preocupação que o agente público deve ter em não apenas preservar a integridade das suas condutas durante o exercício da sua função, mas também em resguardar-se de possíveis imputações por atos de improbidade.

Como se Proteger de Possível Acusação Por Ato de Improbidade Administrativa?

Eis que a insegurança do agente público diz “como me proteger de eventual responsabilização por ato de improbidade administrativa?”

A máquina estatal é de grande complexidade. Diante disso, é inevitável que erros sejam cometidos por seus agentes no exercício da função, ou que previsões feitas inicialmente pelos gestores públicos não venham a se concretizar, deixando de gerar proveito para a Administração Pública, ou até mesmo prejuízo.

Desta forma, a possibilidade de um agente público vir a responder a uma ação civil pública por improbidade administrativa é real, caso ocorra dano ao erário público ou desrespeito a algum princípio norteador da administração pública, mesmo que não intencional.

Assim sendo, é de suma importância que aquele que exerce encargo administrativo tenha sempre em mente as possíveis implicações dos erros que, porventura possa vir a cometer no exercício da função pública. 

Documentos que comprovem o regular cumprimento de determinado trâmite administrativo devem ser juntados e armazenados adequadamente caso seja necessário demonstrar a regularidade de algum procedimento. Caso o agente exerça cargo de chefia administrativa, pareceres opinativos dos órgãos jurídicos que deem respaldo à legalidade das medidas adotadas sempre são bem vistos pelo julgador no momento de aferir a culpabilidade por ato de improbidade.

Além disso, é comum a responsabilização de ocupantes de cargos de direção por erros cometidos na base da estrutura administrativa que comandam. Aqui, vale dizer que não se admite a responsabilidade objetiva por improbidade administrativa. Portanto, a estrutura organizacional da entidade pública, demonstrando as múltiplas subdivisões administrativas, bem como o tamanho e complexidade do órgão ou entidade chefiada, é extremamente válida para demonstrar a impossibilidade do administrador público ocupante de cargo de direção de se ter ciência e controle sobre todas as decisões gerenciais tomadas pelos agentes públicos a ele subordinados.

Em suma, é recomendável ao agente público preservar todos os meios capazes de demonstrar a probidade de sua conduta perante à Administração Pública.

Conclusão

Improbidade Administrativa, apesar de ser um dos maiores receios dos agentes públicos, também é uma das suas maiores dúvidas, sendo poucos os que possuem conhecimento aprofundado sobre o assunto.

Há razão para o receio em se enfrentar uma ação civil pública de responsabilidade por improbidade administrativa, posto que as sanções previstas pela legislação são duras, podendo culminar em multas e até mesmo na perda do cargo pelo agente público.

No entanto, é possível minimizar os riscos ao se conhecer os parâmetros básicos deste instituto imprescindível para manter a ordem e a integridade no âmbito da Administração Pública.

O agente público consciente dos atos e situações que podem ensejar responsabilização por improbidade administrativa possui chances muitos menores de vir a ser acionado judicialmente, já que agirá com a devida probidade e cautela. Entretanto, caso um dia o seja, conseguirá defender-se da melhor forma possível.

Compartilhe

Inscreva-se e receba nossos novos conteúdos:

Conteúdos relacionados:

Precisa da ajuda de um especialista?

Entre em contato pelo formulário ao lado explicando seu problema. Ficaremos felizes em te auxiliar.