Curatela: o básico que você precisa saber

Foto de mãos de pessoas idosas

Este artigo foi pensado para responder às perguntas mais frequentes em relação à curatela, à responsabilidade civil da pessoa com deficiência e sobre o encargo de curador.

O que você irá aprender:

⦁ Qual a capacidade civil da pessoa com deficiência que a impeça de exprimir sua vontade?
⦁ Para que serve a curatela?
⦁ Quais as funções do curador?
⦁ Quais os direitos da pessoa com deficiência?

Muitos ainda carregam consigo a noção antiga de que pessoas com algum tipo de limitação física ou mental que os impeça de exercer plenamente os atos adequados a gerir sua vida civil, ao serem alvo de uma ação de interdição, serão despidas de qualquer autonomia e isoladas em clínicas de tratamento – ideia essa ainda fortalecida por ser um elemento narrativo muito popularizado na teledramaturgia brasileira.


No entanto, tal noção não poderia estar mais distante da realidade. O Código Civil (CC) elenca as pessoas civilmente incapazes nos arts. 3º e 4º, artigos esses alterados profundamente pelo art. 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), sobretudo ao reduzir a categoria de pessoas absolutamente incapazes apenas aos menores de 16 anos. 

Dessa forma, todas as hipóteses de incapacidade absoluta anteriores foram alteradas para casos de incapacidade relativa, com a exceção da menoridade absoluta. Houve uma verdadeira guinada na teoria das incapacidades.

Portanto, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos, são considerados relativamente incapazes pela legislação.

A Situação da Pessoa Com Deficiência

Percebe-se algo curioso neste ponto: não importa a natureza da deficiência, se física ou mental, mas sim, tão somente se a limitação impede a pessoa de exprimir sua vontade para que ela seja qualificada como relativamente incapaz.

Em outras palavras, a pessoa com deficiência somente será considerada relativamente incapaz se a sua condição física ou mental, impedi-la, de alguma forma, de exprimir a sua vontade livre e desimpedida.

Apesar de relevante doutrina defender que tal alteração retirou proteção legal às pessoas sem discernimento suficiente para gerir suas vidas com independência, a realidade da lei se impõe.

Nesse toar, merece atenção o art. 2º do EPD: 

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

  • § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:       (Vigência)
    • I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
    • II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
    • III – a limitação no desempenho de atividades; e
    • IV – a restrição de participação.
  • § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.

Como se pode observar, não apenas a pessoa com deficiência intelectual encontra-se abarcada pela Lei 13.146/2015, mas também aquela que, de alguma forma, possua algum tipo de impedimento que limite a sua participação integral na sociedade de forma severa, de forma a tolir a prática dos atos regulares da vida civil desta pessoa.

A título de exemplo, pode-se citar pessoa idosa que, pela idade avançada, apesar de ainda possuir as faculdades mentais em ordem, não consegue locomover-se e não possui forças para se expressar claramente.

Aqui, a limitação física grave é tão merecedora da tutela do instituto da curatela quanto a mental. A impossibilidade mecânica de impor a livre vontade torna a curatela necessária na medida em que impede que terceiros imponham a sua vontade em detrimento da própria vontade da pessoa com deficiência, valendo-se da severa incapacidade de locomoção e resistência da mesma.


Portanto, a adequação da curatela não se limita aos casos de incoerência absoluta entre a compreensão e manifestação de pensamento, mas também se mostra necessária nos casos em que a fragilidade física do curatelado o torna suscetível à coação física de outrem (basta imaginar que alguém acamado não pode ir ao cartório revogar uma procuração ou que uma pessoa em estado de coma não poderá exercer resistência a alguém que deseje colher sua digital).

Interdição ou Curatela?

Há intenso debate sobre se a interdição ainda existe após a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou se, para qualquer caso de tutela de pessoa com deficiência seria cabível apenas a curatela.

Se por um lado é certo que o EDP afasta qualquer tratamento da pessoa com deficiência como absolutamente incapaz, o Código de Processo Civil de 2015 ainda traz o procedimento de interdição.

Não obstante o aparente conflito, é inegável que ambos os institutos visam a proteção da pessoa que, por sua deficiência, encontra-se incapaz de expressar e exercer a sua vontade, ao menos, de forma plena.

O que tem prevalecido é que, independentemente do nome que se utilize, se interdição ou curatela, as consequências serão as previstas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Qual o Objetivo da Curatela?

A curatela possui como principal objetivo auxiliar aquele que não pode praticar os atos da vida civil de forma livre; visa a proteção dos interesses do curatelado e garante a preservação dos negócios por ele realizados com terceiros.

A principal consequência da curatela é de aspecto patrimonial, tendo em vista que o curador protegerá, principalmente, os bens do curatelado.

Assim, a curatela é imprescindível quando a pessoa não possui a independência física e psíquica necessária para gerir o próprio patrimônio, sem que incorra em grave risco de ser levado à miséria ou exposto à exploração de terceiros mal intencionados.

Transcreve-se a seguir os dispositivos do EPD pertinentes à curatela:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

  • § 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.
  • § 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
  • § 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
  • § 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.
  • Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
  • § 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
  • § 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.
  • § 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.
  • Art. 86. Para emissão de documentos oficiais, não será exigida a situação de curatela da pessoa com deficiência.
  • Art. 87. Em casos de relevância e urgência e a fim de proteger os interesses da pessoa com deficiência em situação de curatela, será lícito ao juiz, ouvido o Ministério Público, de oficio ou a requerimento do interessado, nomear, desde logo, curador provisório, o qual estará sujeito, no que couber, às disposições do Código de Processo Civil .

Em tempo, observa-se que o EPD também alterou por completo os artigos do Código Civil que tratam da curatela (arts. 1.767 a 1.783-A).

Foto-de-maos-de-pessoas-idosas
Curatela deriva da palavra “curar”, aqui, assumindo o significado de “cuidar”

Os Deveres do Curador

Impossível falar de curatela sem falar no papel do curador. É muito comum a crença de que o curador possui amplo acesso e disposição do patrimônio do curatelado, de forma que seria como se o patrimônio deste fosse acrescido ao do curador – de novo, popularizado por filmes e telenovelas. Contudo, a lei impõe ao curador uma série de deveres e limitações.

Uma vez nomeado o curador, este desde logo deverá prestar compromisso por termo em cartório (art. 759, §1º, do CPC/2015), assim como deverá, de regra, também prestar caução.

Quanto aos atos que ele poderá praticar, o Código Civil impõe ao curador também os deveres do tutor, previstos no art. 1740 e seguintes. Dentre todos, os que merecem especial destaque para fins deste artigo são (i) as competências do curador para representação do curatelado e na administração dos bens deste; e (ii) obrigação de prestar contas.

Em relação às atribuições do curador, ele não precisará de autorização judicial para representar o curatelado nos atos da vida civil, receber rendas e pensões deste, realizar as despesas de subsistência, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens – art. 1.747 do CC.

Por outro lado, será necessária autorização judicial para pagar dívidas existentes, aceitar em nome do curatelado herança, doações, transigir, alienar bens móveis e imóveis, propor ações judiciais ou representar o curatelado nas que porventura existirem, adquirir em seu nome ou por meio de procurador, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao incapaz, dispor dos bens deste a título gratuito, ceder direito de crédito ou direito contra o curatelado – art. 1.748 do CC.

Além das condições acima, não poderá o curador manter em seu poder dinheiro do curatelado além do necessário para as despesas rotineiras com o sustento e administração dos bens. Valores oriundos de títulos e obrigações deverão ser recolhidos em estabelecimento bancário ou aplicados na aquisição de imóveis, conforme determinado judicialmente – art. 1.753 do CC.

Quanto à obrigação de prestar contas, o curador é obrigado por lei a apresentar balanços anualmente e a prestar contas a cada dois. É intrínseco ao exercício da responsabilidade de gerir bens de terceiros a obrigação de prestar contas, não podendo esta responsabilidade ser dispensada sob qualquer pretexto, uma vez que deve-se garantir que a administração será feita em benefício do curatelado, e não transviado em proveito próprio do curador ou de outrem – arts. 1.755 de seguintes, art. 1774 e parágrafo 4º do art. 84 do EPD.

A fiscalização da curatela é exercida pelo Ministério Público e por terceira pessoa que possua legítimo interesse, por influência do art. 761 do Código de Processo Civil de 2015, possuindo a competência para impugnar a prestação de contas, exigir a sua complementação, pedir esclarecimentos e até mesmo pedir a remoção do curador.

Portanto, o cargo de curador impõe restrições e responsabilidades que impedem que este assuma o encargo com intenção de se beneficiar do patrimônio do curatelado, garantindo que aquele que exerça a função atue com base na boa-fé e de forma transparente.

Tomada de Decisão Apoiada

A nível menos incisivo, em contraponto à curatela, introduziu a lei a tomada de decisão apoiada, instrumento em que, aquele que possui algum tipo de deficiência, poderá escolher até 02 (duas) pessoas de sua confiança para ajudá-lo nos atos cotidianos. Tal instituto também está previsto no art. 1.783-A do CC.

Importante dizer que, diferente da curatela, tal mecanismo de apoio não está adstrito apenas à pessoa com deficiência de natureza intelectiva, muito pelo contrário, está aberto a todos aqueles que têm algum tipo de dificuldade, e que por isso necessitam de auxílio.

Contudo, apenas o próprio interessado pode requerer que seja estabelecida a tomada de decisão apoiada, na forma do §2º do art. 1.783-A do CC. Não obstante, há decisão judicial mencionando a possibilidade de se converter a curatela em tomada de decisão apoiada mesmo sem o requerimento do interessado (imagina-se esta possibilidade se o interessado sequer conhece o instituto ou está desprovido de fala, sendo proposto pelo magistrado):

“Essa exigência, já implicitamente existente na vigência do CPC/73, fica ainda mais clara após a nova legislação processual, por força do art. 753, §2º, do CPC/2015, que estabelece que “o laudo pericial indicará especificadamente, se for o caso, os atos para os quais haverá a necessidade de curatela” . Trata-se de dispositivo que melhor disciplina a questão e que permite aferir, inclusive, se seria admissível a conversão do procedimento de interdição para o procedimento de tomada de decisão apoiada previsto no art. 1.783-A do Código Civil.”

Os Direitos da Pessoa Com Deficiência

Para finalizar esta breve exposição, que possui caráter meramente informativo, sem qualquer pretensão de esgotar o tema ou realizar análise acadêmica, é imprescindível que se diga que a pessoa com deficiência, sob hipótese alguma, deve ser tratada como pessoa desprovida de direitos e desejos.

O próprio Estatuto da Pessoa Com Deficiência, nos seus artigos 4º, 5º e 6º, determina que às pessoas com deficiência são garantidas igualdade de oportunidades com os demais, vedando-se qualquer tipo de discriminação.

Ainda, de acordo com os artigos citados no parágrafo anterior, a pessoa com deficiência possui liberdade para casar, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, decidir sobre número de filhos, ter direito à família e à convivência familiar e comunitária, inclusive podendo exercer o direito à guarda, tutela, curatela e à adoção em igualdade de oportunidades com as demais cidadãos.

Por óbvio, a existência desses direitos não exclui a necessidade de que a pessoa compreenda adequadamente as implicações e obrigações que derivam de cada um deles, por ser um requisito essencial para a prática de qualquer ato da vida civil.

Conclusão

Portanto, a nova sistemática de direitos e garantias destinada às pessoas com deficiência procura resguardar a plena inclusão social e bem estar dessas pessoas, que de forma alguma devem ser excluídas ou discriminadas, abolindo-se o antigo preconceito de que são desprovidas de autonomia e capacidade de se autoafirmarem.

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